Com o aproveitamento de seus recursos
naturais, o Sertão nordestino quer mostrar que é capaz de gerar riquezas.
"Toneladas
de mantimentos foram enviadas aos flagelados da seca no Nordeste, ao mesmo
tempo em que frentes de trabalho tiveram que ser abertas para garantir um
mínimo de renda às famílias que perderam a lavoura. Mesmo assim, muitas
famílias de sertanejos deixaram suas casas, migrando para as cidades na
esperança de conseguir emprego." Essa notícia poderia ter sido retirada de
algum jornal desta semana, mas se refere à seca que atingiu o Nordeste
brasileiro entre 1721 e 1727. Os portugueses, que, na época, ainda eram os
donos no Brasil, tiveram que enviar de Lisboa vários navios carregados de
alimentos para mitigar o sofrimento na região.
Pois
é. Já no período colonial os governantes preferiam entregar cestas básicas aos
flagelados em vez de fomentar o desenvolvimento econômico. Afinal, mudar o
panorama do Nordeste leva tempo, custa caro e exige muito trabalho - e
raramente os políticos se mostraram interessados em encarar esse desafio. Mas o
Semi-Árido nordestino não é uma causa perdida. Ao contrário, pode ser uma
fonte de riqueza para o país se seus recursos naturais forem bem aproveitados.
E há vários projetos demonstrando que é possível matar a sede do
sertanejo, gerar riquezas e acabar com a miséria. Para que sua história de
dependência e assistencialismo acabe para sempre, o sertão nordestino só precisa
de oportunidade.
Água para todos
Na
maior parte das regiões secas do planeta basta cavar um poço artesiano para se
chegar à água - fresca, abundante e potável. Mas não no Nordeste brasileiro. A
chamada Zona do Semi-Árido tem 70% da sua área localizada sobre uma formação
rochosa cristalina. A água, quando existe, entra em contato com os sais
rochosos e se torna salobra - ou seja, imprópria para o consumo. Nos outros
30%, o problema é a profundidade na qual muitas vezes a água se esconde.
A
maior fonte de água do Nordeste é a chuva que, como é notório, às
vezes demora muito a cair na região. Para piorar, quando cai, vem de uma vez
só. Isso inviabiliza a agricultura, que precisa de chuvas distribuídas ao longo
do ano, e cria o bolsão de miséria do sertão. Por causa da inconstância do
regime de chuvas, a melhor maneira de garantir água é construir
reservatórios que captem a água da chuva e depois a redistribuam de forma
racional nos períodos de estiagem.
Foi
por isso que o governo federal ergueu, recentemente, junto ao município de
Surubim, em Pernambuco, a imponente barragem de Jucazinho. Ela vai captar a
água da chuva e depois lançá-la no rio Capibaribe, o mesmo que deságua no mar
em Recife. Esse rio foi imortalizado no poema "Morte e Vida
Severina", de João Cabral de Melo Neto. No texto, o retirante Severino se
dirige à cidade grande acompanhando o leito seco do rio. Hoje, graças à
Jucazinho, teria que fazer o mesmo caminho a nado. Ou melhor: talvez nem
tivesse que abandonar sua roça.
Embora
Jucazinho seja uma promessa de água perene, hoje os especialistas já consideram
que a maneira mais inteligente de conservar a água da chuva não é gastar
rios de dinheiro em grandes represas, mas sim criar uma rede de pequenos
reservatórios com canais de distribuição próximos às zonas de consumo. A razão
é simples e até óbvia: quanto maior o reservatório e mais distante do
ponto final de consumo, maior é a perda de água por evaporação, uma vez
que o armazenamento e o transporte são feitos a céu aberto e sob o sol
escaldante do Nordeste.
Nas
comunidades menores, a forma mais comum de captação e reserva das águas da
chuva são as cisternas - grandes caixas dágua feitas de alvenaria ou placas de concreto pré-moldado. Um reservatório com capacidade para 12 000 litros
pode abastecer uma família de cinco pessoas durante oito meses, sem chuva. São José da
Tapera, no interior de Alagoas, é um exemplo de como uma simples cisterna
pode alterar uma situação desesperadora. O município já foi considerado o mais
pobre do Brasil pela ONU, mas a vida de seus moradores melhorou muito quando a
prefeitura, com o apoio da organização não-governamental Visão Mundial,
garantiu o abastecimento com as cisternas. Mesmo quando a estiagem é mais
longa, dá para garantir água potável à população com caminhões-pipa.
Uma
coisa parece consenso entre aqueles que estudam o problema da seca no Nordeste:
é impossível pensar numa solução definitiva sem envolver o São Francisco,
o maior rio que atravessa a região. A idéia não é nova. Já em 1852, Dom
Pedro II encomendou um estudo para levar a água do São Francisco aos pontos
críticos do sertão. Mas a tão falada transposição nunca saiu do papel. O atual
governo defende um projeto, orçado em 1,5 bilhão de reais, que captaria água em
dois pontos distintos do "Velho Chico" para bombeá-la por grandes
tubulações até rios e reservatórios em Pernambuco, no Ceará, Paraíba e Rio
Grande do Norte.
Os
críticos da idéia afirmam que o São Francisco é um "cobertor"
muito curto para cobrir todas as necessidades do Nordeste. Se levar a água dele
para um lado, vai faltar no outro. E se a discussão já era complicada, piorou
muito com a crise das usinas hidrelétricas, que colocou o Nordeste à beira de
um colapso energético. Como a maior parte da energia da região vem das
barragens do São Francisco, falar em diminuir a vazão nesse momento
é procurar briga.
Para
que o São Francisco possa atender a todos no sertão, a Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco criou o Projeto Semi-Árido. A idéia,
bastante ousada, é buscar água nas bacias do rio Paraná e do reservatório
de Furnas, em Minas Gerais, para aumentar a vazão do São Francisco em 35%. Além
disso, ao longo de 40 anos seriam criadas várias barragens para garantir que o
Velho Chico tivesse água o ano todo, faça chuva ou venha a seca. Com refil
garantido, o rio poderia servir a todo o Nordeste sem riscos de secar.
Energia
limpa e abundante Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, Sobradinho.
Esses são os nomes de algumas das cidades engolidas pela represa de Sobradinho,
um dos maiores lagos artificiais do mundo, criada pelo represamento do São Francisco.
A barragem impulsionou o desenvolvimento nordestino na última década. Mas, como
ficou evidente na crise de energia elétrica, o Nordeste precisa de mais
energia, enquanto a capacidade de geração hidrelétrica da região parece ter
chegado ao seu limite.
Acontece
que o Nordeste é considerado uma das melhores jazidas de vento do planeta,
com potencial para gerar energia suficiente para todas as necessidades da
região. Os ventos, no Nordeste, são constantes mas sem grandes rajadas nem
turbulências, o que garante a estabilidade das turbinas geradoras e produz
pouco desgaste nos equipamentos. "E é exatamente nos meses de seca do
rio que temos as maiores velocidades de vento no litoral", afirma Everaldo
Feitosa, vice-presidente da Associação Mundial de Energia Eólica e coordenador
do Centro Brasileiro de Energia Eólica. Feitosa defende a introdução da energia
eólica principalmente no sertão, onde há ótimos pontos de captação. Se a idéia
for bem desenvolvida, essa energia poderia impulsionar a instalação de indústrias
de alta tecnologia, que trariam investimentos de longo prazo.
A
energia solar é outra forma ainda não aproveitada na região. De acordo com
Heitor Scalambrini, coordenador do Naper e professor de Engenharia da
Universidade Federal de Pernambuco (Ufepe), o Nordeste ocupa a quarta posição
na lista dos lugares de maior insolação do planeta e é dono de 80% da
potência instalada de energia solar do Brasil. Devido a fatores como a
proximidade com o equador e o céu limpo, sem nuvens, o Semi-Árido nordestino
conta com mais de 3 000 horas anuais de brilho do Sol - estimativa comparável à
dos desertos da Austrália e da África. É energia suficiente para iluminar
escolas, residências rurais e, claro, alimentar bombas de irrigação nas regiões
onde a água tem boa qualidade.
Essa
é a proposta do Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis (Naper)
da Ufepe, com o apoio de outras entidades. Na região do município de Afogados
da Ingazeira, divisa com a Paraíba, o núcleo implantou sistemas de células fotovoltaicas,
que convertem a luz do Sol em eletricidade para pequenas propriedades rurais. O
objetivo é possibilitar a irrigação do solo a partir da água obtida em
cacimbas cavadas nos leitos secos de rios. Culturas que se adaptam bem às
condições, como a graviola, têm sido produzidas, garantindo renda ao
agricultor.
Se
o governo desse a programas de geração de energia alternativa no Nordeste o
mesmo socorro que já deu, por exemplo, ao setor financeiro e ao dos usineiros
quando passaram por crises, é bem provável que a região não só estivesse
livre da crise de energia, como, talvez, pudesse injetar energia elétrica
excedente nas redes de outras regiões. Energia, todo mundo sabe, é insumo
fundamental para o desenvolvimento. No caso do Nordeste, o aproveitamento de
energia das fontes alternativas traria um benefício extra: daria uma folga às
águas do Velho Chico, que não precisariam ficar represadas para alimentar
geradores e, então, poderiam correr livremente para matar a sede dos
nordestinos.
Tecnologia
trasformadora
Não
adianta apenas garantir água e energia ao sertão. Muitos bons projetos, apesar
de terem garantidos água e energia, não deram certo porque faltou capacitar as
pessoas para tocá-los. A ignorância sobre como aproveitar os recursos naturais
disponíveis é um entrave tão ou mais perverso do que a própria seca. Para
ajudar a resolver esse problema, o Programa Xingó desenvolve programas de
desenvolvimento sustentado em 29 municípios dos Estados de Pernambuco, Bahia,
Sergipe e Alagoas. Um dos focos do programa é a utilização das águas
subterrâneas, em geral salobras e impróprias até para o consumo do gado,
em projetos que tirem proveito dessa característica.
Em
Poço Redondo, no Sergipe, por exemplo, famílias estão utilizando a água salobra
do subsolo na criação de camarões de água salgada. As altas temperaturas do
sertão aceleram as taxas de crescimento do animal, que atinge o tamanho
comercial em quatro meses. "Muitos poços abandonados por causa da
salinidade poderiam ser convertidos em viveiros de camarão", afirma Ruy
Cardoso Filho, engenheiro de pesca responsável pelo projeto. Além disso, há
alguns tipos de hortaliças que resistem bem à água salobra e poderiam ser
cultivadas com irrigação.
O
melhor exemplo do que a tecnologia de irrigação pode fazer com o sertão está
nas vizinhas cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, onde a
terra esturricada do sertão se transformou num imenso pomar. Ali, o clima
quente serve como uma perfeita estufa natural que cria ótimas condições para a
fruticultura. A região é a maior exportadora de manga do país, que envia a
sua produção para o competitivo mercado dos Estados Unidos. No caso da uva, a
seca passa até a ser bem-vinda, pois quanto mais seco o ano melhores são
os vinhos da safra. Já há oito vinículas espalhadas pela região, que pretendem
repetir, no Brasil, experiências vencedoras feitas em regiões semi-áridas do
Chile, da Califórnia e da Austrália.
Nessa
mesma região, a tecnologia está melhorando a renda das famílias com a
industrialização das frutas. A idéia é simples: em vez de exportar a fruta
in natura, por que não fazer sucos, doces e outros derivados que dão muito mais
dinheiro? A Agência Regional de Agronegócio Familiar dá todo o apoio aos
proprietários para que possam tocar esses negócios. Mais uma prova de que o
Nordeste não precisa apenas de cestas-básicas e caminhões-pipa enviados pelos
políticos, mas sim de idéias criativas e corajosas que resolvam de vez seus
velhos problemas.
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